É possível parar de sentir ciúmes?
Uma pesquisa publicada pelo Instituto Nacional de Ciências Radiológicas do Japão na revista Science mostrou que sentir inveja de uma pessoa - sentimento sempre associado ao ciúme - faz funcionar com mais intensidade o córtex anterior cingulado (CAC), mesma área que está mais ativa quando sentimos dores físicas. A pesquisa juntou voluntários para analisar perfis de outras pessoas. Quando um deles possuía mais posses materiais ou maior status social, eureca! O CAC dos demais começava a trabalhar a todo vapor. "Inveja e ciúme são literalmente emoções dolorosas", diz Hideko Takahashi, líder da pesquisa.
"Teoricamente, é possível criar medicamentos para tratar as dores da alma", diz Takahashi. Mas por emquanto não adianta sair por aí tomando um Dorflex. Segundo o cientista, ainda não se sabe que tipo de composto poderia ser usado para fabricar uma droga dessas. E isso só vai acontecer quando os estudiosos derem o próximo passo em suas pesquisas: destrinchar o mecanismo neuroquímico exato por trás desses sentimentos. E isso ainda deve levar alguns anos.
Depois que esse desafio for vencido, vem um longo período de testes. Para ter uma ideia da disciplina e determinação exigidas na elaboração de uma nova droga, de cada 10 mil moléculas examinadas, apenas uma vai se tornar um medicamento viável. E a peneira para descobrir a "eleita" começa na fase pré-clínica, na qual a molécula é submetida a reações químicas e verifica-se se ela é viável e não tóxica. Se passar no teste, é experimentada em um modelo animal.
Se tudo der certo, o novo remédio pode ser submetido às agências reguladoras para aprovação. O processo, desde a identificação da molécula candidata até chegar às autoridades, pode levar de 12 a 15 anos e consumir até US$ 800 milhões.
Ou seja, vamos ter de esperar mais de uma década pelo remédio que irá nos salvar dessa dor do amor. Até lá, uma outra possibilidade cogitada pelos pesquisadores é desenvolver uma terapia baseada em estimulação magnética transcraniana (EMT). "Temos a informação neurofisiológica para isso", afirma Takahashi. A técnica, que consiste em emitir correntes elétricas que alteram a atividade cerebral, já é usada em tratamento de doenças como depressão, mal de Parkinson e enxaqueca. Mas há um obstáculo de alcance: a EMT hoje pode ser aplicada na superfície do cérebro, mas os circuitos do ciúme e da dor social se localizam mais profundamente no órgão.
Enquanto esse futuro livre de dores do amor não chega, o que há para atenuar seus efeitos são tratamentos mais ortodoxos, como a terapia comportamental. Ou medicamentos antidepressivos, quando o ciúme patológico é detectado como um sintoma de distúrbios mentais como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Portanto, para manter o "monstro verde" enjaulado sem ter de apelar para um tratamento pesado, a receita, assim como o ciúme, é ancestral: tentar manter feliz a pessoa com quem você divide o teto. E torcer. Afinal, quando se trata de assuntos do coração, nada garante o sucesso de um amor.
O ciúme é tão fundamental como um dia foi a nossa preferência por alimentos calóricos
Apesar de toda a sua complexidade hoje, o ciúme originalmente tem funções básicas, simples e ancestrais: preservar o parceiro, afastar rivais e manter o companheiro fiel sexual, emocional e financeiramente.
E essa adaptação se manteve até os dias de hoje, independentemente de ela ser importante no contexto da vida contemporânea. É mais ou menos como nosso gosto por alimentos açucarados e gordurosos: o que em outros tempos foi uma vantagem adaptativa para armazenar energia, transformou-se em odiados pneuzinhos no nosso mundo sedentário.